quinta-feira, março 22, 2012
Lisboa
No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas calçadas íngremes.
Havia lá duas cadeias. Uma era para ladrões.
Acenavam através das grades.
Gritavam que lhes tirassem o retrato.
"Mas aqui!", disse o condutor e riu à socapa como se cortado ao meio,
"aqui estão políticos". Vi a fachada, a fachada, a fachada
e lá no cimo um homem à janela,
tinha um óculo e olhava para o mar.
Roupa branca no azul. Os muros quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde perguntei a uma senhora de Lisboa:
"será verdade ou só um sonho meu?"
Tomas Tranströmer (tradução de Vasco Graça Moura)
Prémio Nobel da Literatura 2011
No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas calçadas íngremes.
Havia lá duas cadeias. Uma era para ladrões.
Acenavam através das grades.
Gritavam que lhes tirassem o retrato.
"Mas aqui!", disse o condutor e riu à socapa como se cortado ao meio,
"aqui estão políticos". Vi a fachada, a fachada, a fachada
e lá no cimo um homem à janela,
tinha um óculo e olhava para o mar.
Roupa branca no azul. Os muros quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde perguntei a uma senhora de Lisboa:
"será verdade ou só um sonho meu?"
Tomas Tranströmer (tradução de Vasco Graça Moura)
Prémio Nobel da Literatura 2011
terça-feira, março 20, 2012
quinta-feira, março 15, 2012
sexta-feira, março 02, 2012
Poema do desamor total
Hoje é daqueles dias em que a felicidade poderá vir de um desconhecido, somente. Um coleccionador de caricas ou bonés que venda meias e chinelos. Um artista com 80 dedos de anos ossudos, portador de 95 anos de resistência ao inóspito dos dias, com um - Bom-dia vida! Um carteiro da Patagónia que traga as últimas notícias do sul.
Somente um desconhecido não seria intragável. Os conhecidos sabem sempre a qualquer coisa: a conhecidos. E os meus dias desejam mistérios a sós. O mundo está já muito cheio de tudo e o meu corpo não pode dar abrigo, nem se pode abrigar. Quer sejamos bem ou mal comportados, egoístas ou altruístas, filhos de Deus ou do Demónio, a chuva cai sempre em algum sítio. Não é a gravidade dos assuntos que faz a chuva cair. A Terra é que não quer saber. E de que me vale revoltar contra os actores, que só sabem ser o que não são. De que me vale revoltar contra o palco que fui para que outros pisassem em plena actuação? Erguem o queixo para a plateia que se estende à sua frente e a possessão brilha de desejo nos seus olhos. Mas mais cedo ou mais tarde todos percebemos, aterrorizados, que somos ora actores ora plateia. Sempre personagens de nós mesmos, eternamente buscando os desconhecidos, os mistérios, os inóspitos lugares da alma que se escondem nos sótãos. E também sempre os espectadores mais cínicos, lamentando a inércia da vida.
Foi um coração partido nas lajes da camponesa. Foi um jarro quebrado na ida à fonte. Foi um uivo perdido de um cão longínquo.
Foi chorar a gravidade dos assuntos. Foi ter a visão de não se ter mais nada para dar.
Como uma casa vazia habitada só de bichos.
De bichos do acaso ou do destino. Em todo o caso, bichos.
quinta-feira, março 01, 2012
Os Erros
A confusão a fraude os erros cometidos
A transparência perdida — o grito
Que não conseguiu atravessar o opaco
O limiar e o linear perdidos
Deverá tudo passar a ser passado
Como projecto falhado e abandonado
Como papel que se atira ao cesto
Como abismo fracasso não esperança
Ou poderemos enfrentar e superar
Recomeçar a partir da página em branco
Como escrita de poema obstinado?
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"
A confusão a fraude os erros cometidos
A transparência perdida — o grito
Que não conseguiu atravessar o opaco
O limiar e o linear perdidos
Deverá tudo passar a ser passado
Como projecto falhado e abandonado
Como papel que se atira ao cesto
Como abismo fracasso não esperança
Ou poderemos enfrentar e superar
Recomeçar a partir da página em branco
Como escrita de poema obstinado?
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"
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