Esqueci hoje todas as inquietações,
Na garrafa de vinho sobre a mesa
Pousei os talheres e as preocupações,
Bebi o vinho com verdadeira certeza
De que a garrafa houvera falado comigo
Sussurrado como o mundo é pequeno
Demais para ser meu amigo...
E que às vezes as coisas escapavam-me
Deixando-me os pés frios fora do lençol
Escutei atentamente, dei mais um gole
O vinho era bom
A minha confessora continuava
Ora doce, ora amarga
Rebuscando palavras e sinais
Para me fazer compreender
Que o mundo quase nunca é meu amigo
Quase sempre é pequeno demais...
Mais um gole, era bom o vinho
Mensagens tristes mas a boca contente
A aliviar o diálogo ao menos a bebida decente
De repente fartei.
O dia não estava para isso
Aquela noite ia ser boa
Parei, e disse chega!
O mundo, querida amiga
Não me apetece bebê-lo
Vamos ser amigos, tu e eu
E esquecê-lo
O mundo fica para os outros
Para os que não ouvem
As amizades de uma garrafa
E um bom vinho não basta
Sejamos felizes no nosso aconchego
Eu falo contigo, tu dás-me sossego
Vamos dormir juntos, anda
Sem inquietações e sem medo
Ana Pena
30/06/05
quinta-feira, junho 30, 2005
De tanto esperar
"Girl Standing on Chair in Snowy Field" / Don Hammond- CORBIS
Há colos endurecidos
Esperando ao frio
De tanto esperar
Ana Pena
Há energia quando olhas
Joseph Rodriguez/ in Greensboro News and Herald
Há energia quando olhas
Dá-se uma paragem quando falas
Uma magia quando tocas
Há segredos que embalas
Um sol quando sorris
Algo de belo e triste nas tuas conversas imbecis
Se o vento existe, em ti existe
Há qualquer coisa de impreciso a flor-de-lis
Numa alma física e carente
É delicioso quando mentes
Uma coisa forte e segura quando finges que sentes
Há qualquer coisa transcendente
Nos teus passos, que eu sigo
Algo de silencioso e presente
Como um acordo antigo
Há um sinal de infinito no teu caminho
Que tu conheces-te há muito
És vidente de ti próprio e de toda a gente
Vives ao minuto, a cada pulsar de segundo
Quem és tu desconhecido
Que hoje me mostraste o mundo?
Ana Pena
terça-feira, junho 28, 2005
Muitas certezas destroem as buscas
Percebo agora este mundo confuso
Onde linhas de água se fundem
Na ânsia de se reunir num leito
Sou eu, que não sei distinguir
O bom, do mau, do perfeito
E toda a corrente que flúi
Passa rápido a passos de gigante
E nada dura nas águas de mim
Nem um sol, nem uma noite, nem um amante
Podia ser como uma água estagnada
Com um fundo límpido
Onde nada é mancha
E nada se passa
Ou se desarranja
Mas não sou
Sou uma corrente
Confusa
Turbulenta
Onde mil fios de líquido
Escorrem a juntar-se
E a tentar compreender-se
Embalando à superfície irrequieta
folhas de Outono
Frágeis e transpiradas
Barcos de porcelana sensíveis
Lutando para chegar ao cais
Estes emaranhados desinquietos
Onde se juntarão,
Quando se entenderão
São incógnitas que me fazem viver
Muitas certezas destroem as buscas
Por isso não as sei, nem quero saber
Ana Pena
28/06/05
segunda-feira, junho 20, 2005
Sophia de Mello Breyner, a nova paixão
:P
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso
Cá fora, à luz, sem véu, do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste.
E aprendi a viver em pleno vento.
Sophia de Mello Breyner
Ruy Belo, a nova paixão
:P
A Missão das Folhas
Naquela tarde quebrada
contra o meu ouvido atento
eu - soube que a missão das folhas é definir o vento
Ruy Belo
Miguel Torga, a nova paixão
:)
Viagem
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel Torga
Natal
Leio o teu nome
Na página da noite: M
enino Deus...
E fico a meditar
No milagre dobrado
De ser Deus e menino.
Em Deus não acredito.
Mas de ti como posso duvidar?
Todos os dias nascem
Meninos pobres em currais de gado.
Crianças que são ânsias alargadas
De horizontes pequenos,
Humanas alvoradas...
A divindade é o menos.
Miguel Torga
Eugénio de Andrade, a nova paixão
Despertar
É um pássaro, é uma rosa,
é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.
Eugénio de Andrade
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquina
sem esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certezade que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
É um pássaro, é uma rosa,
é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.
Eugénio de Andrade
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquina
sem esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certezade que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
segunda-feira, junho 06, 2005
Manuel Alegre, uma Grande Paixão
Desculpem mas não resisto, não resisto, nem quero resitir.
Mais um hino para o meu blog e para a liberdade dos homens!
:)
Letra para um hino
É possível falar sem um nó na garganta
É possível amar sem que venham proibir
É possível correr sem que seja a fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
É possível andar sem olhar para o chão
É possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros.
Se te apetecer dizer não grita comigo: Não.
É possível viver de outro modo.
É possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.
Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.
Manuel Alegre, O canto e as armas (1967)
mais uma letra de intervenção...
fantástica... não tenho palavras..:)
Mais um hino para o meu blog e para a liberdade dos homens!
:)
Letra para um hino
É possível falar sem um nó na garganta
É possível amar sem que venham proibir
É possível correr sem que seja a fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
É possível andar sem olhar para o chão
É possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros.
Se te apetecer dizer não grita comigo: Não.
É possível viver de outro modo.
É possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.
Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.
Manuel Alegre, O canto e as armas (1967)
mais uma letra de intervenção...
fantástica... não tenho palavras..:)
Aqui fica também o meu pequeno tributo a um grande poeta português, tão importanto para o movimento do 25 de Abril... sem mais palavras a dizer que tudo é pouco para o valorizar...
As mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre, O Canto e as Armas, 1967
Este poema passa a ser o poema oficial deste bolg!Um autêntico hino à liberdade, liberdade que em cada poema Manuel Alergre semeia nas suas palavras.
As mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre, O Canto e as Armas, 1967
Este poema passa a ser o poema oficial deste bolg!Um autêntico hino à liberdade, liberdade que em cada poema Manuel Alergre semeia nas suas palavras.
domingo, junho 05, 2005
Trova do Vento que Passa
(...)
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre
Este poema de Manuel Alegre simboliza a esperança pela Liberdade e foi cantado por Adriano Correia de Oliveira. O cantor era um amigo do poeta e companheiro das lutas estudantis em Coimbra.Anos antes, o convívio entre os dois possibilitou a criação de um poema-cantiga que ficou na história da resistência à Ditadura. *Conta-se que numa noite, em plena Praça da República em Coimbra, Manuel Alegre exprimia a sua revolta:«Mesmo na noite mais triste/ Em tempo de servidão/ Há sempre alguém que resiste/ Há sempre alguém que diz não».E Adriano Correia de Oliveira disse «mesmo que não fiquem mais versos, esses versos vão durar para sempre». Ficaram. António Portugal compôs a música . «E depois o poema surgiu naturalmente». Tinha nascido a Trova do vento que passa. Três dias depois vieram para Lisboa, para uma festa de recepção aos alunos na Faculdade de Medicina. Manuel Alegre fez um discurso emocionado, depois Adriano Correia de Oliveira cantou e quando acabou de cantar:«foi um delírio, teve de repetir três ou quatro vezes, depois cantou o Zeca, depois cantaram os dois. Saímos todos para a rua a cantar. A Trova do vento que passa passou a ser um hino».
*Eduardo M. Raposo, Cantores de Abril – Entrevistas a cantores e outros protagonistas do Canto de Intervenção, Lisboa, Edições Colibri, 2000
Retirado de : http://www.instituto-camoes.pt/cvc/poemasemana/05/01.html
(...)
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
Manuel Alegre
Este poema de Manuel Alegre simboliza a esperança pela Liberdade e foi cantado por Adriano Correia de Oliveira. O cantor era um amigo do poeta e companheiro das lutas estudantis em Coimbra.Anos antes, o convívio entre os dois possibilitou a criação de um poema-cantiga que ficou na história da resistência à Ditadura. *Conta-se que numa noite, em plena Praça da República em Coimbra, Manuel Alegre exprimia a sua revolta:«Mesmo na noite mais triste/ Em tempo de servidão/ Há sempre alguém que resiste/ Há sempre alguém que diz não».E Adriano Correia de Oliveira disse «mesmo que não fiquem mais versos, esses versos vão durar para sempre». Ficaram. António Portugal compôs a música . «E depois o poema surgiu naturalmente». Tinha nascido a Trova do vento que passa. Três dias depois vieram para Lisboa, para uma festa de recepção aos alunos na Faculdade de Medicina. Manuel Alegre fez um discurso emocionado, depois Adriano Correia de Oliveira cantou e quando acabou de cantar:«foi um delírio, teve de repetir três ou quatro vezes, depois cantou o Zeca, depois cantaram os dois. Saímos todos para a rua a cantar. A Trova do vento que passa passou a ser um hino».
*Eduardo M. Raposo, Cantores de Abril – Entrevistas a cantores e outros protagonistas do Canto de Intervenção, Lisboa, Edições Colibri, 2000
Retirado de : http://www.instituto-camoes.pt/cvc/poemasemana/05/01.html
Oh Fernando... és capaz de deixar de tocar as pessoas..?acho que não..
"A Literatura, como toda Arte, é uma confissão de que a vida não basta." Fernando Pessoa
....que a vida não basta...uma confissão! men, que frase!:)
....que a vida não basta...uma confissão! men, que frase!:)
Homenagem a Carlos Paredes
Esse homem, Ah, esse tocador de Guitarra e tocador da Alma. O som nunca morre, antes voa e tu nunca morrerás, antes voas sobre Lisboa!
Mereces aqui uma homenagem, na medida do que posso! Carlos Paredes, és lindo!
Carlos Paredes (1925-2004)
A palavra por dentro da guitarra
a guitarra por dentro da palavra.
Ou talvez esta mão que se desgarra
(com garra com garra)
esta mão que nos busca e nos agarra
e nos rasga e nos lavra
com seu fio de mágoa e cimitarra.
Asa e navalha. E campo de Batalha.
E nau charrua e praça e rua.
(E também lua e também lua).
Pode ser fogo pode ser vento
(ou só lamento ou só lamento).
Esta mão de meseta
voltada para o mar
esta garra por dentro da tristeza.
Ei-la a voar ei-la a subir
ei-la a voltar de Alcácer Quibir.
Ó mão cigarra
mão cigana
guitarra guitarra
lusitana.
Manuel Alegre
Mereces aqui uma homenagem, na medida do que posso! Carlos Paredes, és lindo!
Carlos Paredes (1925-2004)
A palavra por dentro da guitarra
a guitarra por dentro da palavra.
Ou talvez esta mão que se desgarra
(com garra com garra)
esta mão que nos busca e nos agarra
e nos rasga e nos lavra
com seu fio de mágoa e cimitarra.
Asa e navalha. E campo de Batalha.
E nau charrua e praça e rua.
(E também lua e também lua).
Pode ser fogo pode ser vento
(ou só lamento ou só lamento).
Esta mão de meseta
voltada para o mar
esta garra por dentro da tristeza.
Ei-la a voar ei-la a subir
ei-la a voltar de Alcácer Quibir.
Ó mão cigarra
mão cigana
guitarra guitarra
lusitana.
Manuel Alegre
Vai dormir pah!
vXiiii men, só agora percebi que muitas vezes as mini-depressões são uma granda pedrada de sono! Se tás deprimido, vai dormir pah!
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