44. Saber porque é assim. Que é que se desencadeia em nós para a emoção que vai ficar? Que é que foi ontem, há dezenas de anos, para o que veio a ser hoje? Como posso adivinhá-lo para amanhã? Porque nada foi nunca para o reconhecermos no que foi um dia. Houve talvez uma amargura para se esquecer. Uma ilusão que doeu. Uma nódoa negra para não ser claridade. Um vexame numa prega de nós que se compôs para sermos em lisura. Mas inserido nisso, qualquer coisa depois se avolumou, se sobrepôs ao mais, se desenvolveu em beleza na dissipação do tempo. Ninguém sabe se uma alegria passada desapareceu na memória ou é a alegria que veio a permanecer. Ninguém sabe se um dissabor é o mesmo que se abriu depois em legenda. Porque só o irreal permanece, ou seja o que nunca existiu. É o irreal que se não vê de todo o real que se vê. Que é que houve no que hoje me comove? Não o soube então para o poder saber hoje. (...)
V. Ferreira (1992) Pensar
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