Entrei no quimboio a que alguns parvos chamam de metro. Aquilo é um quimboio. E as pessoas esperam pelo quimboio no apeadeiro. A que alguns parvos chama estação de metro.
Entrei no quimboio. Alguns pés, algum chão, alguns barulhilhos da porta do metro.
Sentei-me num siège. E comecei a observar, como às vezes gosto de fazer. Outras vezes nem gosto de fazer, faço sem querer e depois é que acabo por gostar.
Sentei-me num siège. E comecei a observar.
À minha frente uma rapariga de cara redonda, pele branca, alguns sinais. Mãos brancas com veias verdes e um anel dourado. Ao lado uma senhora que me pareceu feia e para a qual tentei olhar de forma a que se fosse embora aquela ideia de "feia".
Virei o pescoço para o lado direito e ao meu lado, nos outros lugares, encontrei uma rapariga. Não, encontrei-me com os braços de uma rapariga. Era a única que trazia t-shirt e os braços desnudados. (Adoro o termo "desnudados"). Então comecei a descer os olhos pelos braços dela. Perto dos ombros e até ao cotovelo eram brancos e tinham sinais. Do cotovelo até à mão os braços eram brancos e com pelinhos que faziam aqueles arcos fininhos uns a seguir aos outros, que se viam bem porque a pele era branca. E depois dos braços tinha no final umas mãos. Que mãos. Nunca as consegui ver por inteiro até aos dedos. Enquanto ela retirava um livro, peça de teatro, A Gaivota de Anton Chekhov (da qual desvendo um pouco mais, agora, pela wikipédia: Várias figuras de A Gaivota são ridículas, o que se nota pelo contraste entre a altivez e a utopia dos seus ideais e a mesquinhez e tolice dos seus actos.) tornei-me uma admiradora daqueles braços e daquelas mãos. Só aquele aspecto delicado mas firme delas. Os ossos raiando do pulso, debaixo da pele, mexendo-se com o mover dos dedos. Enquanto ela lia A Gaivota tornei-me admiradora da forma como ela mexe os dedos quase imperceptivelmente para virar a folha e da forma como ela toca com os dedos na página, como se estivesse a treinar uma música num piano, como se cada parágrafo fosse a tecla de um piano. Aquelas mãos faziam-me lembrar e eram tão bonitas quanto as da Ana do Porto. Era isso, ligavam-me directamente a essa querida memória de pequena. Imaginei que poderia ser uma estudante de arte, de teatro ou de música. Será que o seu namorado alguma vez a tinha olhado com o encanto com que eu o fazia? E ela continuava a usar a página como teclado.
Decidi olhar de novo para as personagens à minha frente e reparei que a rapariga com as mãos brancas e anel dourado e cara redonda e branca tinha estado a ver-me a olhar para a outra. E apercebi-me da minha figura, de como tinha estado com a boca aberta de contemplação a olhar para a outra. E essa rapariga de cara redonda e branca deve ter achado que eu não era boa da cabeça e que era uma voyeur do pior. Então ela pareceu-me fazer um sorriso tortinho de troça, assim de ladinho. E eu achei que ela não era nada bonita. Olhei de novo para a senhora que eu me esforçava por não achar feia. Mas não consegui.
E no final, claro, não resisti e acabei com os meus olhos naqueles braços rechonchudos como os da Guida e naquelas mãos de Ana do Porto, lindas.
2 comentários:
Lindo! Adorei este texto!
=) Que giro! Haja alguém que saiba bem observar. Hoje em dia só vejo gente feia. Ou quase. Adoro observar pessoas, rapazes, raparigas, pessoas! AS miúdas muitas vezes parecem-me todas iguais. Eles por sua vez ao sentirem-se observados encolhem-se, são queridos. A não ser que sejam uns manientos e fiquem logo com a ideia que dali a um instante estarei de joelhos perante eles. Lord, not!
Mas é engraçado. E é engraçado observar e saber que as pessoas sabem, e deixam.
Há tanta diversidade, tanto novo! Mas nunca nada tão belo quanto já vi, quanto vejo! =)
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