sexta-feira, janeiro 05, 2007

Poema de Inverno

Veio de longe, e mal chegou
partiu para mais longe ainda:
só o tempo justo para fazer
das águas dormentes do meu trôpego
coração
um rumor de sílabas matinais.

Como toda a gente que partilha
com a luz a sua vida
era muito inocente, trazia do local
onde nascera
o ardor das coisas do mar.

Não sei de alegria tão pura
como a que morava nas molhadas
pedras dos seus olhos,
e baila ainda nas chamas
em qualquer lugar da casa.

Ao fim da tarde, o canto
do pequeno pássaro e o vento diziam
a mesma coisa: não deixes o incêndio
do deserto invadir-te o coração.
Sem que tu o suspeites, sequer.

Eugénio de Andrade in Os Sulcos da Sede

Retirei este poema de um blog que visitei recentemente ...
Agarrou-me especialmente a última estrofe como se estivesse a ler o que estava escrito dentro de mim. Não quero deixar que o incêndio do deserto invada o meu coração, sem que eu o suspeite sequer.

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